canoa caravela

Cinema, Escritura, Fotografia, Poesia e Literatura

sábado, 15 de janeiro de 2022

Não olhe para cima, novas estratégias de difusão streaming da indústria cinematográfica e de recepção

Por Dirceu Martins Alves

O filme Don`t Look Up, Não olhe para cima, está despertando muito interesse e engajamento nas redes sociais. Vale a pena olhar para esse filme para percebermos um fenômeno de comunicação da indústria cinematográfica, possível somente pela era digital que estamos vivendo. O filme não funciona do ponto de vista da recepção. A narrativa é débil, o roteiro é mal cozido, e a mescla de gêneros não deu liga, apesar das sequências engraçadas e ditas “questionadoras”. Digo isso a partir da minha própria experiência e dos comentários de vários amigos nas minhas redes. Uma pessoa próxima me relatou que começou a ver o filme de noite e dormiu entre os 20 a 30 minutos. Na noite seguinte ela recomeçou de onde parou e dormiu de novo em menos de 30 minutos. No terceiro dia ela sentou para ver de tarde, e por fim terminou o filme, mas não sem dar umas cochiladas. Perguntei se ela achou o filme ruim? Ela disse que não. Achou divertido. E o final? Achou diferente. Aqui começa o fenômeno da recepção: dormiu três vezes mas julga o filme divertido. Outra pessoa disse que achou o trailer interessante, o roteiro parecia bom, mas foi se tornando um filme cansativo à medida que ela assistia. Um filme que não deveria durar 2 horas para ter “aquele final ridículo”. Bastaria 1h30. Muitos disseram "achei ruim, mas divertido". Do lado positivo há uma grande quantidade de pessoas dizendo que o filme é importante pelos debates políticos e ambientais que ele suscita. Que retrata o momento do negacionismo, outro assunto derivado da politização de tudo. Concordo com a necessidade do debate político, que deixarei para outro texto. Neste, quero focar no ponto de vista da arte e da estética. E pelo critério artístico nenhum filme pode ser considerado bom pela temática política que ele aborda. Assim como não existe temática tabu para o cinema de hoje, não existe temática que garanta a qualidade de um filme.

E se a recepção de Não olhe para cima fosse nas salas de cinema? Acredito que quem dormiu não voltaria em outra sessão para terminar de ver o filme. Quem se sentisse entediado aos 25 minutos, aos 45 ou em qualquer momento do filme, sem a possibilidade de dar pausa para ver depois, abandonaria a sala do cinema. E não voltaria mais. O engajamento boca a boca seria muito mais negativo do que positivo para o filme. O mau funcionamento da narrativa se evidenciaria na fruição dos receptores. Todas essas questões estão amenizadas pelo uso do controle remoto no serviço de streaming da Netflix. Como pausar, espantar o tédio e voltar, ou dormir e voltar no dia seguinte. A indústria não é ingênua quanto aos padrões de recepção. Usa o sex appeal de seus atores para engajar o filme com a maior quantidade de público possível. Hollywood sempre fez isso, como demonstra Edgar Morin na sua análise da cultura de massa. Essa foi uma das principais críticas do pessoal da Nouvelle Vague em relação à Hollywood. “Isso soa falso”, dizia Truffaut, que chegou a refazer um filme de Hollywood porque condenou o uso de Ingrid Bergman como uma pobre moça carvoeira. Mas Não olhe para cima vai além da exploração do sex appeal de Leonardo Dicaprio e Jennifer Lawrence, por exemplo. Explopra-se também o engajamento político dos atores Dicaprio e Meryl Streep fora das telas. Principalmente os temas ligados à defesa do meio ambiente, nos quais o ator se tornou um ativista. Por essa lógica, vemos a toda hora os atores dando entrevistas de propaganda e defesa do filme, vinculando-o sempre com a necessidade de salvarmos o planeta. Não devemos negar a preocupação real dos atores, diretores e produtores do filme com as causas reais, mas também não devemos negar a estratégia de vinculação comercial às temáticas.

A intenção de engajamento político e comercial fica evidente quando lemos as primeiras notícias sobre o roteiro do filme. Ele já estava pronto antes da pandemia. Na versão que seria filmada pretendia-se chamar a atenção para problemas ambientais em diversas esferas do planeta. Com a chegada da pandemia, e a politização do tema, até o chamado “negacionismo da ciência”, resolveram de última hora introduzir o cometa no roteiro. Um cometa que vem direto na rota de colisão com a Terra. Não é difícil imaginar que a inspiração para essa introdução da ficção científica seria o Flash Gordon. Basta lembrarmos de Flash Gordon no Planeta Mongo. O protótipo da ficção científica, no qual não um asteroide, mas um planeta habitado, e comandado pelo terrível Dr. Ming, está vindo para destruir a terra. Os Estados Unidos mandam o herói Flash Gordon para desviá-lo de seu curso. O herói cômico e fanfarrão que a presidente dos Estados Unidos e a Nasa escolhem para mandar de encontro ao asteroide é uma homenagem clara ao Flash Gordon. Mas enquanto Flash Gordon luta, vive os conflitos do roteiro, e a narrativa chega a um clímax, cujo desfecho é a vitória de Flash Gordon, o herói de Não olhe para cima nem chega a lutar no conflito que foi armado para ele, com foguetes, drones equipados com bombas nucleares e outros aparatos. O herói Flash Gordon oferece o sentimento de vitória por procuração a todos os terráqueos receptores. A sequência do soldado de Não olhe para cima decepciona o receptor porque lhe armaram um conflito, que logo na sequência foi apagado pela própria narrativa. Mas quem disse que o receptor não pode ser contrariado?

O receptor pode e deve ser contrariado. Fugir da obviedade da narrativa sempre parece inteligente. Mas o cinema comercial fracassa se contrariar o receptor em todas as sequências de todos os atos. Até aos 25 minutos o filme mantém o interesse do receptor amador. Estamos diante de um drama. O drama de dois cientistas que descobriram um asteroide em rota de colisão com a Terra em aproximadamente 6 meses. Ainda que tudo se passe muito morosamente, temos a expectativa que aos 30 minutos teremos um ponto de virada. Uma sacudida no receptor. Algo que não acontece porque o receptor ainda não chegou a sentir o medo dos personagens. A essa altura já estaríamos morrendo de medo junto aos personagens de Guerra dos mundos, pensando em ajudar o personagem principal a salvar sua família, para citar outro filme comercial de ficção cientifica. Mesmo de forma inconsciente, o receptor espera um ponto de virada perto dos 30 minutos. Hollywood nos acostumou assim. É o padrão para filmes comerciais, que são armados em 3 atos, distribuídos dentro de um espaço de tempo médio de 1h30min. a 2 horas de duração. Mas quando chegamos aos 45 minutos percebemos que o drama é abandonado de vez em favor da comédia. Tudo bem, vamos para a comédia então. Mas a passagem não é bem feita. O nível de atuação dos atores, principalmente da estressada estudante que descobriu o asteroide, sempre estressada, parece fora do tom da narrativa. O tom da atuação de Dicaprio, mesmo sendo um ator comprovadamente competente, também não ajuda a convencer que existe um perigo iminente de destruição da vida na Terra. Parece que fizeram uma má escolha para o nível de atuação em várias cenas, o que compromete a narrativa. A atuação mais acertada é a de Cate Blanchett. Ela segura um nível de atuação compatível com o seu papel e com a narrativa do filme, desde começo até fim de suas cenas. Merecia uma indicação para o prêmio de melhor atriz coadjuvante, já que o filme é uma aposta da Netflix para o próximo Óscar. 

Mas é preciso entender que o filme é uma sátira política e social. Sim, entendemos a proposta. Lembrando que o Decamerão, de Boccaccio, também é sátira social, comédia dos costumes. E também retrata uma época de pandemia, em que eles estão de quarentena. Mas as narrativas estão contadas num tom acertado com os temas, por isso o livro sobrevive. É possível começar uma narrativa com um drama e passar para a comédia? Sim. O dramaturgo Lope de Vega já criou a Tragicomedia, durante o Siglo de Oro espanhol. Não olhe para cima funciona no engajamento estratégico que a Netflix vem sabendo fazer nas redes sociais, mas não funciona enquanto filme porque não soube mesclar os gêneros: drama, comédia, sátira política, ficção científica, e pitadas de surrealismo. Sem contar que a última parte, na qual o monstro come a personagem, acentua o kitsch no filme. Todas as cenas do final são claramente kitsch. Essa particularidade do kitsch ajuda a entender a fala despretensiosa de muitos receptores: “ruim, mas divertido”. Reza uma lenda sobre o cinema, todos podem verificar se ela guarda alguma relação com a realidade, na qual se diz que quando o roteiro não segura a narrativa, ou seja, a história não é boa, então o público começa a procurar defeitos de continuidade, falar da interpretação dos atores, criticar o figurino ou encontrar erros na fotografia. Enfim, sobram críticas para todos os setores. Particularidades que  ficariam encobertas na boa história. Também sobram elogios filosóficas e sociológicos para a temática, elogios estéticos para certas cenas, e comentários apaixonados para determinados frames. É exatamente o que está acontecendo com Não olhe para cima. Vemos os artistas do filme defendendo a própria obra na mídia, e os receptores se engajando nas redes sociais e plataformas como Youtube, onde surgem vários vídeos de comentários do filme? O fenômeno de comunicação se dá exatamente sobre o filme. E não a partir do filme. Estou interessado em ver a sobrevida desse filme, e o interesse do receptor em médio e longo prazo. 


segunda-feira, 26 de maio de 2014



A pesquisa em arte, ciência e feitiçaria

 
                                          Dirceu Martins Alves

I

 

A criação artística é uma atividade difícil de ser enquadrada no método clássico de pesquisa, e isso gera um problema para quem produz arte dentro das universidades ou institutos de pesquisa no nosso país. O fato ocorre principalmente porque o método clássico de pesquisa parte de um problema, sobre o qual formulamos hipóteses, e o caminhar da pesquisa são as ações que realizamos para a verificação dessas hipóteses, se elas são positivas ou negativas. Esse processo, com os resultados finais predeterminados, em tabelas matemáticas, com bases estatísticas, nem sempre condiz com a pesquisa voltada para projetos artísticos. Todo o processo da investigação é orientado por delimitações claras de objetivos gerais, objetivos específicos, procedimento metodológico e resultados esperados. Uma estrutura perfeita para as ciências exatas, mas bastante comprometedora para as ciências humanas. Como delimitar os resultados esperados em um projeto de pesquisa que se propõe a criação de uma obra artística? Seja essa a criação de um livro de poemas, um filme de curta-metragem ou um álbum de fotografia artística? Se o projeto prevê um processo de criação, sabemos apenas que o artista vai buscar dar forma, volume, cor e intensidade psicológica a uma forma de expressão. O resultado será uma expressão, e a comunicação só poderá vir dessa expressão, particular. Na maioria dos casos de projetos artísticos, descrevemos os objetivos, delimitamos um caminho a ser seguido para que tenhamos boas condições de avaliação nas agencias de fomento e nas câmaras de pesquisa dos institutos. Dizemos, antecipadamente, o que será criado antes de criarmos qualquer coisa. Thomas Kun chamou a atenção para este problema ao dizer que essa incongruência ocorre porque o “estudioso das ciências humanas quer fazer pesquisa, ou seja, quer imitar seus pares das ciências exatas”, e nessa orientação nos equivocamos redondamente. Para Kun “ao pesquisador de literatura deveria ser mais importante conhecer Shakespeare do que fazer pesquisa sobre Shakespeare”. Jorge Vieira nos lembra de que a arte é uma forma de conhecimento do mundo. Pesquisar para produzir obras de criação artística é uma forma de gerar conhecimento. A teoria do conhecimento não descarta nunca as artes. As grandes áreas do saber são quatro. As ciências, as filosofias, as artes e as religiões. Tudo o que quisermos saber cabe dentro dessas quatro áreas. O mais interessante de tudo é que elas se completam, não se opõem. O método clássico de pesquisa está bem próximo da matemática, com seus cálculos, probabilidades, estatísticas e hipóteses verificáveis, porque razoáveis. Na arte, a pesquisa é mais prática, pois procura-se a cor que dê o melhor efeito esperado, a melhor forma para o conteúdo, dentro de uma coerência. Sabe-se como se vai fazer, mas não se sabe como ficará depois de pronto. A dificuldade está em descrever os resultados esperados antes do fim. Este fator inviabiliza a liberação de financiamento dos projetos pelos programas de incentivo à produção artística nas universidades. Mesmo os programas de financiamento de projetos artísticos pedem os objetivos, o percurso metodológico que será seguido e os resultados esperados. Salvo exceções. Como descrever o processo de trabalho e de pesquisa de um feiticeiro? Um preto velho que usa a fumaça para invocar uma sabedoria? Um doente que é benzido por um índio curandeiro com pena de uma certa ave, por que aquela ave e não outra? Há lógica e conhecimento intuitivo nesses processos que só podem ser verificados mais tarde pelos experimentos científicos. O que têm em comum o mago, o pajé e o feiticeiro? Ambos trabalham na esquina do natural com o sobrenatural. Seus métodos não são clássicos, pois não dão garantia dos resultados esperados. Eles não teriam financiamento dentro das grandes universidades, se tivessem que comprovar a eficácia de suas metodologias, antes mesmo das operações. A feitiçaria não oferece garantias. Somente ficamos sabendo depois se o feitiço deu certo ou não. Ainda que o feiticeiro garanta sempre que o feitiço vai funcionar.

 

 


 

 

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Por entre Mídias e Artes, a Cultura

Por Amálio Pinheiro

Os estudos teóricos e análises concretas sobre as culturas e seus textos se complicam quando se tratam de regiões ou processos civilizatórios (Península Ibérica, América Latina) onde não vigora o conceito progressivo e linear de sucessão, esta que tornaria qualquer produto uma variante hierarquicamente determinada pela suposta influência de algo anterior e pretensamente mais acabado. Não é mais questão agora apenas de, com Lotman, por um lado, ver criticamente que "a cultura seja um sistema que se auto-organiza (...) como algo univocamente predízivel e rigorosamente organizado" e, por outro, saudavelmente reconhecer a irrefutável "indefinição interna desta, o repertório de possibilidades que no curso da realização da mesma ficam irrealizadas" (Lotman, 1996: 75). Não é mais o caso agora somente "da constante afluência de textos de fora" no inteiror de uma cultura que, "ao necessitar de um parceiro, cria com seus própios esforços esse 'alheio', portador de uma outra consciência, que codifica de outra maneira o mundo e os textos" (Lotman, 1996, 71), desencadeando-se então os processos de tradução intersemióticos a partir das colisões e trocas entre culturas dominantes de centro e variantes de periferia.
(clique no título para ler o artigo completo)

canoa caravela: Carnaval/Antropofagia/Parodia

canoa caravela: Carnaval/Antropofagia/Parodia

Carnaval/Antropofagia/Parodia

"(...) Desde el punto de vista de los colonizadores o desde el punto de vista de los colonizados, el conflicto de culturas y de mitos produjo versiones igulamente caranavalizadas. En esas versiones, la culutras opuestas y hasta heterogéneas aparecieron inesperada y brillantemente integradas. Los antropológos ya han estudiado las infinitas variaciones de algunos cultos afrocubanos o afrobrasileños. El sincretismo de culturas que ellos implican, la mezcla y confusión de todo posible "origen" que practican. En el concepto de carnaval, América Latina ha encontrado un instrumento ultil par alacanzar la integración cultural que está en el futuro y para verla no como una sumisión a os modelos occidentales, no como mera corrupción de algún original sagrado, sino como parodia de un texto cultural que en sí mismo ya contenía la semilla de sus propias metamorfosis (...)"

Emir Rodríguez Monegal -
"Carnaval/Antropofagia/Parodia" - En Revista Iberoamericana, 45, nº 108-109, julio-diciembre 1979, p. 401-4012

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A imprensa e a tipologia dos romances caleidoscópicos na América Latina: Processo de aglutinação e expansão dos ambientes midiáticos

Resumo do trabalho apresentado no IV Congresso Internacional da ABES (Associação Brasileira de Semiótica).

Dirceu Martins Alves


O trabalho aqui apresentado é parte de um capítulo da tese de doutorado que estou
desenvolvendo no COS/PUCSP.
Tem como objetivo geral analisar de que forma a
imprensa serviu de materialidade para a construção dos romances caleidoscópicos na
América Latina. Códigos e linguagens retirados da mídia impressa (jornais e revistas) se
aglutinaram nas páginas de livros de forma tal que eles provocaram uma renovação no
fenômeno literário, bem como uma expansão dos ambientes midiáticos. Eis o problema,
analisar objetos que são híbridos de obra literária e de mídia. Partindo de uma seleção
de obras como Memórias sentimentais de João Miramar, Paradiso, Tres tristes tigres,
Libro de Manuel, Último round e Yo el Supremo, discutese
a dissolução ou constituição
de gêneros, utilizando o método comparativo entre as tipologias das linguagens literárias
e midiáticas. Tem como objetivo mais específico mostrar o processo pelo qual a
imprensa foi mediadora da formação e da difusão dessa literatura, que por sua vez foi
mediadora da própria imprensa. A perspectiva privilegiada para empreender as análises
não é aquela propiciada pelas teorias literárias, mas as teorias da comunicação e a
semiótica da cultura. Para tanto vale uma orientação teórica baseada nos conceitos de
mediação que vai Dos meios às Mediações, de Jesús MartínBarbero,
e das propostas de
estudar os fenômenos artísticos e de comunicação dentro de uma esfera maior como a da
cultura, feitas por Iuri Lotman na sua Semiosfera. Como pensamento crítico, vale a
instigação de Boaventura de Sousa Santos, entre outras, para a construção de uma nova
cultura política, que nos permita pensar a produção e a compreensão da nossa realidade,
livres dos conceitos que auspiciam a hegemônica do Norte.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Los besados


Nunca sabré explicar como tras días de caminada por el Mato Grosso llegué a la aldea, ya en la Selva Amazónica. Espero saber contar la historia de amor que conocí allí.
En el día de mi llegada, ya introducido al trabajo, noté a una joven india que caminaba amarrada a un rubio europeo por unos bejucos. Adonde iba uno, tendría que ir el otro. Intrigado, le pregunté al jefe de la tribu qué era lo de la pareja. Me dijo que por vez única me sería permitido hablar con los cortejos.
El otro día el jefe me llevó a la casa baja. La pareja nos aguardaba en postura cabizbaja. El jefe me dijo:
– Ellos están en el infierno, que es aquí mismo. Por eso nadie les habla, a excepción de mí que soy hechicero. Padecen el castigo de los lujuriosos. La muchacha era la prometida de nuestro más bravo guerrero, quien se suicidó tras el deshonor. Los bejucos son mágicos. Se renuevan a cada día y sólo dejarán de envolver sus miembros cuando se mueran. De nada les serviría huir de la aldea.
– ¿Me permite? – le dije. El jefe me dejó sólo con la pareja.
– Señor, gracias por interesarse por nuestra historia y por nos hablar – dijo la chica, sin levantar mucho la cabeza.
– Yo soy el que agradezco – le dije, pidiéndole que me contara lo qué les pasó.
– Ahorita le cuento – me dijo, intentando disimular su alegría. – Juan es español, enseñó su idioma a mí y al jefe. Lo habíamos capturado en una lucha contra unos blancos invasores. Yo fui encargada de cebarlo hasta que llegara el día de comerlo. Él me enseñó a leer en un libro que trajo con él. Una edición bilingüe de una novela.
– ¿Y estaban enamorados?
– No, señor. Hasta que una tarde, cuando leímos los versos que condenan a un noble caballero y a la dama a quien debía proteger, no resistimos y nos besamos por vez primera.
Emocionado, me olvidé preguntar el título de la novela que leían. Hoy día, leyendo el episodio de Paolo y Francesca en el canto quinto del Infierno llegué a sospechar que su libro de la vida de la pareja condenada en la selva seria La Divina Comedia de Dante. Ahorita mismo me asombra la semejanza de los episodios, pero ¿comprobar? Ni modo.
No sé como logré perderme de ellos tras cruzar una cortina de humo en una tarde de quemada a los huertos.